“E agora que vocês viram no que a coisa deu, jamais esqueçam como foi que tudo começou” (Bertolt Brecht)

sábado, 28 de julho de 2012

Guerra Sem Cortes

Por meio do plano-sequência, diretores de cinema aproximam o espectador de grandes dramas históricos.

     A obra de arte tem muitas vezes a capacidade de transportar as pessoas numa autêntica viagem que parece suspender o tempo e cancelar o espaço ao seu redor. Se isto é verdade para a leitura de uma obra literária ou a audição de um concerto de música, confirma-se com mais vigor ainda quando assistimos a um filme. A câmera substitui o nosso olhar e nos faz encontrar pessoas, percorrer lugares, viver situações. Nós vemos e vivemos o que a câmera vê e filma. A edição recorta e cola sequências, produzindo o efeito final da sucessão das cenas. O espectador parece viver dentro da tela.
     O efeito, contudo, é impressionante quando o cinema se serve de uma técnica que assemelha ainda mais a arte à vida: o plano-sequência, isto é, a filmagem direta e sem cortes de uma sequência de cenas. Uma das mais recentes produções cinematográficas que recorrem a esta técnica é o espetacular "Arca Russa", do diretor Alexandr Sokurov, uma verdadeira viagem pelos salões do museu Hermitage de São Petersburgo, que corresponde também a uma viagem pela história russa, através de três séculos: tudo em um único plano-sequência, de cerca de 90 minutos.
     Entre muitos filmes que lançam mão do plano-sequência, há dois que o fazem para retratar o drama da guerra e o desastre que ela provoca, mesmo quando a batalha foi vitoriosa. O primeiro é um filme de 2007, "Desejoe Reparação" ("Atonement", na versão original), dirigido pelo britânico Joe Wright. Vencedor do Globo de Ouro de melhor filme dramático em 2008, o longa é uma adaptação do livro homônimo do também britânico Ian Mc Ewan, que discute sentimentos de amor, culpa e arrependimento, tendo como pano de fundo a sociedade inglesa da primeira metade do século XX.
     O ponto alto da película é um impressionante plano-sequência de cerca de quatro minutos, que mostra o protagonista, Robbie, e dois companheiros de armas na praia francesa de Dunquerque, em 1940, durante a retirada das tropas inglesas que foram para o continente lutar contra o avanço nazista sobre Paris, no começo da Segunda Guerra Mundial. A sequência se refere a um momento daquela que foi chamada de Operação Dínamo, e que consistiu na evacuação do porto de Dunquerque, e das praias ao redor da cidade, de milhares de soldados da Força Expedicionária britânica e de países aliados (entre final de maio e início de junho, sob intenso bombardeio inimigo, foram evacuados mais de 300 mil homens). A ofensiva alemã não dava mais chances de luta às tropas aliadas, que, encurraladas em poucos quilômetros de litoral, só podiam ser resgatadas pelo mar.
     O filme, no plano-sequência em questão, mostra Robbie em sua peregrinação pela praia, em busca de uma saída, e assim somos apresentados ao drama de milhares de soldados acuados naquele pequeno espaço vital, como ele. A câmera acompanha o protagonista e seus companheiros esbarrando com esta situação, aparentemente sem salvação. Há quem chore, quem brigue, quem beba e quem tente eliminar todas as potenciais presas dos nazistas, como cavalos e veículos. Um grupo de soldados, num coreto, entoa um hino religioso, talvez numa tentativa de transmitir força e esperança ao resto das tropas. Ao redor, somente máquinas de guerra inservíveis, areia, fumaça e até uma espectral roda gigante, paradoxal símbolo de uma diversão agora impossível. O resultado é um sugestivo exercício cinematográfico, aliado a mais uma exposição do que é o homem diante de uma condição extremada como a guerra.
     Ainda restando no âmbito da cinematografia britânica, outro plano-sequência memorável sobre um evento bélico se encontra quase no final do filme "Henrique V", dirigido por Kenneth Branagh. Realizado em 1989, é uma adaptação para o cinema da homônima peça de Shakespeare. O longa reconstrói a jornada do rei inglês, interpretado pelo próprio Branagh, em sua luta contra os franceses, durante a Guerra dos Cem Anos. A sequência se refere aos momentos sucessivos à batalha de Azincourt, no norte da França, travada em 25 de outubro de 1415, dia de São Crispim, entre o exército inglês (15 mil homens) e as muito mais numerosas tropas francesas (cerca de 50 mil). Shakespeare (Branagh também) põe na boca de Henrique V um breve discurso na véspera da batalha: "Aquele que sobreviver esse dia e chegar à velhice, a cada ano, na véspera desta festa, convidará os amigos e lhes dirá: "Amanhã é São Crispim". E então, arregaçando as mangas, ao mostrar-lhes as cicatrizes, dirá: "Recebi estas feridas no dia de São Crispim." O confronto se deu num terreno transformado em atoleiro pelas fortes chuvas, mas onde a habilidade dos arqueiros britânicos se sobressaiu, permitindo a derrota do exército inimigo, que sofreu perdas enormes.
     A vitória inglesa é celebrada através de um canto religioso, o “Non Nobis, Domine” ("Não a nós, Senhor"), que atribui somente a Deus a glória pelos sucessos humanos, nesta circunstância o triunfo em batalha. Entoada por um único soldado no começo da sequência, a música é cantada por cada vez mais vozes, transformando-se num crescendo ao longo do plano-sequência, durante o qual o espectador acompanha Henrique V. O rei, embora esgotado pela luta, ainda encontra forças para carregar nos ombros um jovem soldado morto e atravessar todo o campo de batalha, em meio a lama, sangue, feridos e cadáveres, lanças e flechas, até conseguir depor o corpo perto da bandeira inglesa. Como um triste cortejo, soldados exaustos acompanham os passos do rei, numa mistura de sentimentos, onde ao orgulho pela vitória se sobrepõe a consciência de que se tratou de um verdadeiro milagre divino e que mesmo assim custou demasiadas vidas humanas. Aqui o espectador também é transformado em mais um soldado do exército inglês, participando dos momentos finais daquela histórica batalha.
 Arca Russa (Russian Ark 2002)
Um museu como um ser vivo, uma entidade que respira e tem personalidade própria. Sokúrov empresta alma ao colossal palacete do Hermitage, em São Petersburgo, um dos maiores museus do mundo. Arca Russa foi filmado em um único plano-sequência, sem cortes, que dura 97 minutos e atravessa 35 salas do museu, transformando a tela de cinema em um quadro vivo por onde desfilam personagens importantes da história da Rússia: Pedro, o Grande; Catarina, a Grande; Catarina II, Nicolau e Alexandra.
Simbiose perfeita de cinema, história e artes plásticas, Arca Russa é uma experiência visual única e inesquecível.
Direção: Aleksandr Sokurov
Ano: 2002
Áudio: Russo/legendado
Duração: 95 min
Tamanho: 292 MB
Henrique V (Henry V 1989)
Esta é uma das melhores transposições para o cinema de uma das obras-primas do maior escritor de língua inglesa de todos os tempos, William Shakespeare, realizada por um especialista no assunto, o diretor e ator Kenneth Branagh. Trata-se da história de Henrique V (Branagh), da Inglaterra que entra em guerra contra a França, comandando um exército com menor número de soldados. Indicado ao Oscar de Melhor Diretor e Ator e vencedor do Oscar® de Melhor Figurino.
Direção: Kenneth Branagh
Ano: 1989
Áudio: Inglês/legendado
Duração: 132 min
Tamanho: 392 MB




Desejo e Reparação (Atonement 2007) 
Em 1935, no dia mais quente do ano na Inglaterra, Briony Talles (Romola Garai) e sua família se reúnem num fim de semana na mansão familiar. O momento político é de tensão, por conta da 2ª Guerra Mundial. Em meio ao calor opressivo emergem antigos ressentimentos familiares. Cinco anos antes, Briony, então aos 13 anos, usa sua imaginação de escritora principiante para acusar Robbie Turner (James McAvoy), o filho do caseiro e amante da sua irmã mais velha Cecília (Keira Knightley), de um crime que ele não cometeu. A acusação na época destruiu o amor da irmã e alterou de forma dramática várias vidas.
Direção: Joe Wright
Ano: 2007
Áudio: Português
Duração: 123 min
Tamanho: 432 MB

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