“E agora que vocês viram no que a coisa deu, jamais esqueçam como foi que tudo começou” (Bertolt Brecht)

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Revolução Francesa/Complemento

     Entre os séculos XV e XVIII, a realeza europeia procurou conciliar as diferenças entre a burguesia e a aristocracia. Para isso, buscou garantir tanto os privilégios políticos aristocráticos quanto a ascensão econômica da burguesia. Na França, durante o reinado de Luís XIV, a política de centralização do poder do Estado foi decisiva. O objetivo era aliar a participação marcante do Estado na economia com a manutenção da luxuosa vida de corte da aristocracia francesa, cujo principal símbolo era o Palácio de Versalhes.
     Mas esse equilíbrio de interesses, além de exigir grandes gastos aos cofres estatais, mantinha a burguesia excluída do poder político. Enquanto os cofres estiveram cheios, a situação manteve-se estável, com recursos suficientes para manter o luxo aristocrático e os lucros dos burgueses com o comércio colonial.
     Contudo, os altos gastos com a nobreza e os prejuízos com a derrota na Guerra dos Sete Anos ampliaram as contradições e precipitaram a crise do Estado absolutista na França.
     O pensamento iluminista apresentava uma alternativa para essa crise. Para pensadores como Rousseau, Voltaire e os enciclopedistas eram necessárias grandes reformas políticas e sociais. Apesar de todas as diferenças entre: os movimentos revolucionários franceses do período, havia um ponto em comum não era mais possível aceitar o poder absoluto do rei.

Os símbolos da Revolução
     Não bastava modificar a estrutura de poder. Os revolucionários radicais pretendiam transformar toda a sociedade, apagar cada traço do Antigo Regime. Para isso, lançaram novos símbolos, em substituição aos antigos. Buscava-se legitimar os novos tempos.

Avante, filhos da Pátria!
     Entre os novos símbolos estava La Marseillaise (A Marselhesa), transformada posteriormente em hino nacional da França. A música fora composta pelo oficial Claude Joseph Rouget de Lisle, em 1792, como canção revolucionária. Intitulada Canto de Guerra para o Exército do Reno, adquiriu grande popularidade,
sobretudo entre os batalhões do exército, ficando conhecida como A Marselhesa.
     A Convenção adotou a canção como hino em 14 de julho de 1795. Napoleão baniu a música durante o Império, assim como Luís XVIII em 1815. Em resumo, A Marselhesa foi adotada e suprimida várias vezes até 1879, quando foi definitivamente confirmada como o hino nacional francês.

Leia a tradução de alguns versos:
Avante, filhos da Pátria,
O dia da Glória chegou.
O estandarte ensanguentado da tirania
Contra nós se levanta.
Ouvis nos campos rugirem
Esses ferozes soldados?
Vêm eles até nós
Degolar nossos filhos, nossas mulheres.
Às armas cidadãos!
Formai vossos batalhões!
Marchemos, marchemos!
Nossa terra do sangue impuro se saciará!
O que deseja essa horda de escravos
de traidores, de reis conjurados?
Para quem (são) esses ignóbeis entraves
Esses grilhões há muito tempo preparados? (bis)
Franceses! Para vós, ah! Que ultraje!
Que elã deve ele suscitar!
Somos nós que se ousa criticar
Sobre voltar à antiga escravidão!
O novo calendário
     Outro símbolo instituído pelo governo revolucionário foi o calendário. A substituição se concretizou com a Constituição de 1793.
     A intenção era substituir o calendário gregoriano - católico - e tornar-se universal. O ano passou a ter 12 meses de 30 dias; e cada mês se dividiu em três semanas de 10 dias.
     Cada semana (decâmero) era numerada de um a três. E os dias, de um a dez, no respectivo decâmero, recebendo nomes de primidi, duodi, tridi, quartidi, quintidi, sextidi, septidi, octidi, nonidi, décadi. Os decâmeros receberam nomes de plantas, animais e objetos associados à agricultura. O dia foi dividido em 10 horas de 100 minutos, cada qual com 100 segundos de duração. Os nomes dos meses inspiraram-se nas estações do ano. Aos 360 dias acrescentavam-se cinco complementares, anualmente, e um sexto a cada quatriênio. O ano desse calendário revolucionário começou à meia-noite do equinócio do outono, segundo o meridiano de Paris, em 22 de setembro.
     A eliminação das festas religiosas de origem católica, dos nomes de santos e, sobretudo, do domingo, compensado pelo décadi, contrariou a população. Com a ascensão de Napoleão, o calendário gregoriano foi restabelecido em 1º de janeiro de 1806.

Meses do calendário revolucionário:
No outono:
Vendémiaire (vindimiário): 22 de setembro a 21 de outubro – colheita.
Brumaire (brumário): 22 de outubro a 20 de novembro - bruma, nevoeiro.
Frimaire (frimário): 21 de novembro a 20 de dezembro – geada.
No inverno:
Nivôse (nivoso): 21 de dezembro a 19 de janeiro – neve.
Pluviôse (pluvioso): 20 de janeiro a 18 de fevereiro – chuva.
Ventôse (ventoso): 19 de fevereiro a 20 de março – vento.
Na primavera:
Germina/: 21 de março a 19 de abril - germinação das sementes.
Floréa/ (florial): 20 de abril a 19 de maio – flores.
Prairia/ (pradial): 20 de maio a 18 de junho – prados.
No verão:
Messidor: 19 de junho a 18 de julho – colheita.
Thermidor (termidor): 19 de julho a 17 de agosto – calor.
Fructidor: 18 de agosto a 20 de setembro – frutas.

A guilhotina tem sua história
     Em plena Revolução, o médico e deputado Joseph Ignace Guillotin recomendou a utilização de um aparelho que abreviasse o sofrimento dos condenados à morte, evitando que agonizassem. O aparelho, que provocaria a morte quase imediata, consistia num grande suporte (4 m de altura) no qual ficava suspensa, por uma corda, uma pesada lâmina diagonal (de cerca de 40 kg). Quando a corda era liberada, a lâmina caía sobre o pescoço da vítima, imobilizada.
     O aparelho não era novo, pois fora utilizado na Itália 200 anos antes, onde era conhecido como mannaia. Guillotin defendeu o uso do instrumento por razões humanitárias, mas acrescentou que seu uso deveria ser comum a nobres e plebeus, propondo, assim, a "democratização" dos métodos de execução da pena capital. Tal aparelho foi chamado, na França, de guillotine (guilhotina), em homenagem a seu defensor.
     A primeira pessoa a ser guilhotinada, em 25 de abril de 1792, não foi nenhum aristocrata ou eclesiástico, mas o artesão Nicolas Jacques Pelletier, acusado de sabotar a Revolução. Instituída pelos jacobinos, a guilhotina não poupou reis, duques, girondinos, monarquistas, membros do alto clero, padres refratários, salteadores, especuladores e criminosos comuns. Nem mesmo os jacobinos escaparam, a exemplo de Danton, Saint-Just e Robespierre.
    Mais de 3 mil pessoas foram executadas dessa forma, a grande maioria entre 1793 e 1794.

Quem São os "Sans-Culottes"?
     “Esse termo é empregado, durante o período revolucionário, sobretudo a partir de 1792, para designar as massas populares urbanas, mais especialmente as dos subúrbios do leste de Paris, o de Saint-Antoine, na margem direita, e o de Saint-Marcel, na margem esquerda do Sena.
     Politicamente, os-sans-culottes formam a armadura das seções parisienses e dos comitês revolucionários, aos quais a organização do Terror atribui um papel. Eles formam a massa de manobra das grandes jornadas parisienses de 10 de agosto de 1792, e de 2 de junho e 5 de setembro de 1793.
   
 Eles se engajam nos exércitos revolucionários. Socialmente, os sans-culottes representam citadinos que vivem de seu trabalho, seja como artesãos, seja como profissionais de oficio; alguns, depois de uma vida laboriosa, se tornam pequenos proprietários na cidade, e usufruem as rendas de um imóvel, Portanto, o sans-culotte não deve ser confundido com o indigente que ele quer socorrer. Este grupo de pequenos proprietários pensa que a difusão da propriedade permitirá a instauração da felicidade, graças à igualdade: ‘Um dia virá ... em que o nível da lei regulamentará as fortunas ... não deverá ser permitido que um cidadão possua mais de uma quantidade de arpents de terra’, declara um dos oradores sans-culottes, Sylvain Maréchal. Consumidores urbanos, os sans-culottes são sensíveis às dificuldades de abastecimento, às crises de viveres (...). Ele exige. a taxação dos gêneros. ‘É preciso fixar invariavelmente os preços dos gêneros de primeira necessidade, os salários do trabalho, os lucros da empresa e os ganhos do comércio’, pede a Seção do Jardin des Plantes que acaba de alterar o nome para Seção Sans-Culotte (2 de setembro de 1793). O programa econômico dos sans-culottes permanece vago e surge como uma aspiração à igualdade entre os pequenos proprietários independentes, possuindo meios de satisfazer às suas necessidades – ‘Que o máximo das fortunas será fixado... que o mesmo indivíduo só poderá possuir um máximo ... que ninguém possa manter para alugar mais terra do que é necessário para uma quantidade de charrua determinada ... que o mesmo cidadão só possa ter um estabelecimento comercial ou uma oficina ...’. Este amor pela igualdade liga-se à república e à virtude,(...).
     Os sans-culottes se reconhecem exatamente pela prática das virtudes republicanas e da igualdade: dirigem-se aos outros chamando-os de cidadãos e cidadãs ( .. .). Sua aparência é popular: usam calça, vestimenta de trabalho, e não calção, roupa de ostentação do aristocrata, uma camisa, uma jaqueta curta, a carmanhola; usam o barrete frígio, símbolo antigo da escravidão libertada, marcado pela insígnia nacional; usam permanentemente o sabre e o pique, porque só o homem armado pode defender a revolução "contra os aristocratas, os realistas, os moderados, os intriguistas ... todos esses celerados’
(Adresse de Ia Section des Sans-Culottes). O sans-culotte é bom pai, bom marido, homem virtuoso que ama sua família: ele contrapõe a virtude republicana à depravação dos aristocratas.  (...) Pouco a pouco se forja, na prática política cotidiana de uma assembleia próxima do domicilio dos participantes, uma doutrina política. O ponto de partida é o principio da soberania popular, exprimindo-se na assembleia dos cidadãos prontos para combater, ininterruptamente. O poder soberano da assembleia se exerce diretamente, e se é preciso delegar, isso só pode ocorrer por um mandato preciso, a curto prazo e renovável. Os debates são públicos como os votos, porque a expressão da vontade soberana deve fazer-se por unanimidade, na igualdade e na fraternidade. É dever de cada cidadão denunciar às seções os suspeitos, e os inimigos da nação, ‘para salvaguardar a liberdade’. O homem armado pode levantar-se para salvar a república, dar o pedido do direito de insurreição e seu reconhecimento oficial na Declaração dos Direitos do ano I.
     Os sans-culottes parisienses se organizam, no verão de 1792, para preparar a queda do rei e a defesa da pátria atacada por uma coalizão de reis. ‘Até quando suportarão que a realeza, a ambição, o egoísmo, a intriga e a avareza coalizados com o fanatismo entreguem nossas fronteiras à tirania e espalhem por todo lado a devastação e a morte?’ (Adresse de Ia Section des Sans-Culottes à Ia Convention) (2 de setembro de 1793)”.
(PÉRONNET, Michel. Revolução Francesa em 50 Palavras-Chaves. São Paulo, Brasiliense, 1988.)

Uma Revolução de Machistas
     Elisabeth Badinter, abordando a Revolução Francesa nos revela que, "incontestavelmente, as mulheres foram as 'deixadas-por-conta' da Revolução. Enquanto o ideal revolucionário colocava a igualdade formal acima das diferenças naturais, o sexo continuou sendo o último critério de distinção. Os judeus foram emancipados pelo decreto de 27 de setembro de 1791, a escravidão dos negros abolida em 4 de fevereiro de 1794, mas, a despeito dos esforços de alguns (como Condorcet - 1743-1794,matemático, filósofo e deputado convencional), a condição das mulheres não foi modificada. Os Direitos do Homem, direitos naturais ligados à pessoa humana, não lhes foram reconhecidos."
(BADINTER, Elisabeth. Um é o Outro. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1986, p. 178.)
     Na entrevista que se segue, a historiadora Michelle Perrot nos apresenta um painel da condição feminina à época da Revolução.
     Michelle Perrot é importante, sobretudo por seus estudos de história social e de história da mulher. Professora de História Contemporânea na Universidade de Paris VII – Jussieu.

P - Que papel teve a Revolução na mudança da vida cotidiana? Estas mudanças foram mais numerosas para os homens ou para as mulheres?
R - Os acontecimentos revolucionários influenciaram, como é óbvio, a vida cotidiana das pessoas. Examinemos o problema da vida material, a questão do pão, a questão do aumento dos preços. Muito bem, as mulheres sobre as quais recata a responsabilidade do andamento da vida familiar foram com muitas probabilidades mais atingidas na sua vida cotidiana que os homens. Quando se mobilizam, principalmente nas grandes cidades, o fazem justamente por causa de problemas desse tipo. Depois, há a questão do trabalho. O trabalho artesanal, no qual eram empregados homens e mulheres, sofreu mudanças de todo tipo durante a Revolução, sobretudo nas cidades. Como em todo período de crise econômica e social, as mulheres foram induzidas a trabalhar mais para complementar salários familiares. Outro exemplo: o problema da vida espiritual, da religião. Na França, no fim do século XVIII, as mulheres eram mais ligadas à Igreja do que os homens. Para elas, foi dramático assistir às perseguições de padres e freiras.
P - E os homens?
R - Penso que para os homens a oportunidade maior consistiu num acréscimo da sua participação na vida pública, através de manifestações, clubes, alistamento na guarda nacional e nos exércitos. Os homens eram sem dúvida nenhuma mais participantes do que as mulheres. Por certo as mulheres ganharam um espaço público que não existia antes da Revolução, Contudo a participação ativa na vida pública foi característica de uma minoria, e esta minoria teve, bem cedo, de enfrentar a hostilidade dos homens.
P - Os revolucionários eram muito machistas?
R - Sim, salvo algumas exceções, entre as quais poderia citar Condorcet. Em 1792, isto é, no momento de maior impulso revolucionário, os clubes femininos são fechados e as mulheres confinadas ao seu papel de mães e donas-de-casa. A historiadora Mona Ozouf demonstrou que, quando no inverno de 1794, as mulheres tentaram desempenhar um papel ativo nas festas, isso foi visto como ameaça. A festa revolucionária era sempre uma festa extremamente organizada. Queria-se que as várias idades da vida, os sexos, as mães, os filhos, respeitassem os seus papéis. Quando muito, as mulheres podiam assumir um papel emblemático e encarnar a Deusa Razão, ou a Liberdade.
P - Considerando o papel determinante assumido pelas mulheres em alguns dias revolucionários, pode-se dizer que também durante a Revolução Francesa desenvolve-se um roteiro clássico, pelo qual a mulher aparece muito nos momentos iniciais para ser marginalizada na fase de assentamento?
R - A Revolução Francesa não foge a esse modelo, aliás, é o seu cenário primitivo. Afinal, todas as revoluções do século XIX irão inspirar-se na Revolução Francesa. Quase sempre, o esquema se repete: num primeiro momento, um alistamento de mulheres, um apelo às mulheres; depois, quando a situação se estabiliza, pede-se a elas que retomem a seu lugar. Foi assim também em 1848.
P - Acredita que existem valores proclamados pela Revolução e que, mesmo não realizados, permanecem válidos ainda nestes dias?
R - Certo. Aquela grande conquista, que são os direitos do homem, é ainda incompleta. Por exemplo, no campo das relações entre os sexos, das relações sociais, das relações étnicas. Se considerarmos que a Revolução Francesa proclamou que os judeus eram cidadãos como todos os outros, e que atualmente vemos renascer os discursos sobre o antissemitismo... Ainda: os direitos do homem não são certamente aplicados nas prisões. Em outras palavras, eu penso que os direitos do homem são um texto cujos efeitos práticos não foram ainda obtidos. Eis por que as atuais celebrações do bicentenário, carregam o risco de flon-fton, como se diz em francês: o risco de fazer barulho sem muito conteúdo, e quem sabe também o risco de um certo tédio com multiplicação das cerimônias, das convenções, das publicações. De outro lado, existem também possibilidades úteis. Os jovens de hoje desconhecem quase tudo da Revolução. Uma ex-aluna minha, que leciona num instituto técnico, contava-me ter feito esta pergunta a seus alunos: o que é a Revolução, o que significa para vocês? Responderam: Oh! Houve um rei que foi enforcado. Qual rei? Luiz XV ouviu-se como resposta. Depois perguntou: o que é para vocês o dia 14 de julho? Sabiam mais ou menos. Alguém disse: Ah! Havia o negócio da Bastilha. Mas o que era a Bastilha? Isso ninguém sabia. Eis que, deste ponto de vista, as celebrações podem ser uma ocasião para tornar tudo um pouco mais compreensível,
(ISTOÉ-SENHOR. A Revolução Francesa - 1789-1799. São Paulo, Editora Três, 1989, pp. 66- 7.)

FONTE:
História, ensino médio. Organizadores: Fausto Henrique Gomes Nogueira, Marcos Alexandre Capellari. - 1. ed. - São Paulo: Edições SM,2010. - (Coleção ser protagonista)
História: o longo século XIX, volume 2 /Ronaldo Vainfas... [et al.] - São Paulo: Saraiva, 2010.
FARIA, Ricardo; MARQUES, Adhemar; BERUTTI, Flávio. História. Belo Horizonte, Ed. Lê, 1993.


Filme
Danton - O Processo da Revolução
Na primavera de 1794, durante a fase popular da Revolução Francesa, instala-se o período do "terror", quando a radicalização revolucionária dos jacobinos encabeçada por Robespierre (Wojciech Pszoniak), inicia um violento processo político com expurgos, manipulação de julgamentos e uma rotina de execuções pela guilhotina. O povo, que já passava fome, agora vive um medo constante, pois qualquer coisa que desagrade o poder é considerado um ato contrarrevolucionário. Nem mesmo Danton (Gérard Depardieu), um dos líderes da Revolução Francesa, deixa de ser acusado. Quando Danton critica os rumos do movimento, torna-se mais uma vítima do terror instalado por Robespierre.
Direção: Andrzej Wajda
Duração: 130minutos
Ano: 1982
Áudio: Francês/Legendado


Maria Antonieta
Prometida ao Rei Luís XVI ( Jason Schwartzman ) aos quatorze anos de idade, a ingênua Maria Antonieta ( Kirsten Dunst ), é lançada na opulenta corte francesa que é cheia de intrigas e escândalos. Sozinha, sem orientação e perdida em um mundo perigoso, a jovem Maria Antonieta se rebela contra a atmosfera isolada de Versalhes, e no processo, ela se torna a monarca mais incompreendida da França.
A história começa quando Maria Antonieta, aos quatorze anos de idade é levada para longe de sua família e de seus amigos de Viena, despojada de todos os seus pertences e jogada no sofisticado e decadente mundo de Versalhes, a pródiga corte real perto de Paris.
Maria Antonieta é uma simples marionete em um casamento arranjado feito para solidificar a harmonia entre duas nações. Seu marido adolescente, Luís ( Jason Schwartzman ), o Delfim, como era chamado, é o herdeiro do trono francês. Mas Maria Antonieta está totalmente despreparada para ser o tipo de governante que o povo francês deseja. Por baixo de sua elegância, ela é uma assustada, desprotegida e confusa jovem mulher, cercada por perversos caluniadores, falsos aduladores, pessoas manipuladoras e fofoqueiros. Presa pelas convenções de sua posição, Maria Antonieta precisa encontrar uma forma de se encaixar no complexo e traiçoeiro mundo de Versalhes.
Além de todos os seus infortúnios também existe a indiferença de seu novo marido, Luís. Seu casamento permanece sem ser consumado por incríveis sete anos. O desajeitado futuro Rei prova ser um desastre como amante, causando grandes preocupações (e infindáveis fofocas) de que Maria Antonieta nunca será capaz de dar a luz a um herdeiro.Só que, fora das paredes do palácio, a revolução não pode mais esperar para explodir.
Direção: Sofia Coppola
Ano: 2006
Áudio: Inglês/Legendado
Duração: 123 minutos

Documentário
A Revolução Francesa
Em julho de 1789, a população parisiense invadiu e destruiu a Bastilha, um ato que ira (devido à impotência do Estado de seu rei, Louis XVI), deflagrar uma das revoluções mais sangrentas da história. Liderados por Robespierre e outros homens do Iluminismo, o que começou como uma luta contra uma monarquia ineficaz terminou como uma fase na história conhecida como o Terror. Os suspeitos de traição à revolução eram mortos pela lâmina da guilhotina, incluindo o Rei e sua Rainha, Maria Antonieta. Quando o derramamento de sangue do Terror tinha cessado definitivamente, Robespierre ele próprio havia caído pela guilhotina e o povo da França foi capaz de se adaptar a um novo governo, sem o receio de perder a cabeça. Assim, Napoleão Bonaparte encontrou o seu caminho para Poder. Trata-se não só da revolução ao terror, mas da ascenção e morte de Louis XVI e de seu casamento com Maria Antonieta e como sua incompetência como um governante levou diretamente a queda da Bastilha e todos os que lhe seguiram. Também aborda as diferentes facções no seio dos revolucionários e como um grupo que escreveu “Os Direitos do Homem” caiu para endossar um Estado totalitário, em que ninguém foi capaz de manter estes direitos. O filme tem uma narração de Edward Herrmann, bem como comentários de vários historiadores franceses e americanos.
Direção: The History Channel
Duração: 90minutos
Ano: 2009
Áudio: Português

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

O Antigo Egito/Complemento

     A partir de sua origem na África, os grupos humanos se dispersaram, domesticaram animais e plantas, criaram técnicas diversas, dominaram o fogo e os metais, construíram desde aldeias até grandes cidades, passaram a se organizar de forma hierarquizada e desenvolveram sociedades cada vez mais complexas.
     Entre as civilizações do mundo antigo, uma das que mais despertam curiosidade é a egípcia. As monumentais pirâmides, os complexos rituais funerários e os seus deuses tornaram o antigo Egito uma fonte de contínuo interesse, em vários períodos da História.
     Já no século V a.C., o historiador grego Heródoto, em suas inúmeras viagens, ao visitar o Egito ficou admirado com o que viu e escreveu a famosa frase: "O Egito é uma dádiva do Nilo".
     Consideramos hoje que o Egito não é uma dádiva apenas do Nilo, mas de seu povo, que cultivou suas margens, ergueu templos para seus inúmeros deuses, escreveu textos com hieróglifos em pedras e papiros, mumificou e honrou seus mortos e preservou os da classe dominante em monumentos funerários que testemunham até hoje a grandeza e a complexidade dessa civilização.
     Os egípcios construíram as maiores pirâmides há mais de 4 mil anos, portanto elas já eram muito antigas quando Heródoto as conheceu. Boa parte da história do Egito já foi estudada, mas ainda hoje se encontram vestígios com novas informações sobre os vários períodos dessa civilização.

Despotismo oriental
     O processo de formação dos Estados no Oriente Próximo apresenta muitas controvérsias. O historiador alemão Karl Wittfogel publicou, em 1957, um livro que se tornou famoso: Despotismo oriental: um estudo comparativo do poder total, dedicado exatamente ao estudo das civilizações egípcia e mesopotâmica, no Oriente Próximo, como também à China e à índia antigas, no Extremo Oriente.
     Segundo esse historiador, o surgimento de poderosos Estados agrícolas no Oriente se deveu à realização de obras hidráulicas em grande escala, envolvendo a mobilização dos camponeses sob o comando dos governantes. O resultado foi a criação do chamado despotismo oriental, no qual o Estado era proprietário de todos os bens, permitindo aos camponeses o usufruto das terras dedicadas à subsistência, mediante o pagamento de tributos em gêneros ou serviços para o Estado.
     No século XIX, Karl Marx já havia proposto interpretação semelhante, atribuindo à construção e à administração de obras hidráulicas um peso decisivo para a formação dos Estados orientais. Ele afirmou que a condição social dos camponeses era de uma "escravidão generalizada”.
     O ponto mais polêmico dessa interpretação é o papel das obras hidráulicas na formação do Estado, pois muitos historiadores puseram em dúvida a chamada "causa hidráulica". Nessa perspectiva, as obras hidráulicas seriam consequência de Estados fortes e não a causa deles. Por falta de evidências arqueológicas confiáveis, é impossível precisar com exatidão o que veio antes: o Estado ou as grandes obras. Mas o certo é que, no Oriente Próximo, surgiram Estados poderosos capazes de mobilizar enorme massa de trabalhadores para serviços públicos, isto é, não somente para construir canais, cisternas ou diques, mas também pirâmides, templos, palácios e tudo o mais que marcou a grandeza do antigo Egito e da antiga Babilônia.

A pirâmide de Quéops.
     Até hoje não se sabe exatamente como foram construídas as pirâmides. Restaram cerca de 110 delas no
Egito, sendo que as três maiores foram construídas por volta de 2500 a.C. Nessa época os egípcios não conheciam a roldana nem os veículos com rodas.
     Na pirâmide do faraó Quéops, a maior já construída, foram utilizados 2,3 milhões de blocos de granito, pesando aproximadamente 2,5 toneladas cada.
     Conta o historiador grego Heródoto que cerca de 100 mil homens trabalharam 20 anos para erguer o monumento. Muitas pessoas acreditam que escravos construíram as pirâmides. Mas foram os camponeses que, durante as cheias do Nilo, eram obrigados a trabalhar como operários nas obras. Era um imposto em forma de trabalho que às vezes custava a própria vida, como atestam restos de corpos sem identificação encontrados próximos às pirâmides.
     A construção de pirâmides requeria minuciosa organização. Os antigos engenheiros deviam dividir os camponeses operários em grupos, como os cortadores de blocos de pedra, de colunas, construtores de trenós para arrastar as pedras, cozinheiros, etc.
     O granito vinha de Tura, na margem oriental do Nilo, e era arrastado em trenós de madeira puxados pelos camponeses. À medida que a pirâmide subia, uma rampa de pedras e areia era erguida à sua volta, para nela se arrastarem os blocos, até atingir o topo. Depois eram assentadas placas de pedra calcária amarela como revestimento. Por fim, a pirâmide era polida para ficar com a superfície lisa e brilhante.
     Esses grandes monumentos requereram conhecimentos de matemática, geometria e mecânica, e incorporaram obras de arte como pinturas e esculturas.

A lenda de Osíris
     Os egípcios acreditavam que, no início de tudo, existiam apenas as águas escuras do caos, até que uma montanha surgiu. No alto da montanha apareceu Atum, o primeiro deus. Atum tossiu e surgiu Shu, o deus do ar; tossiu novamente e surgiu Tefnut, a deusa da umidade. Shu e Tefnut tiveram dois filhos: Geb, o deus da Terra, e Nut, a deusa do céu.
     Geb e Nut tiveram quatro filhos: Osíris, Ísis, Set e Néftis. Osíris era o deus da Terra e Ísis era sua esposa. Set, que tinha muita inveja de Osíris, matou o irmão, despedaçou seu corpo e jogou os pedaços por todo o Egito. Auxiliado por Anúbis, o deus chacal que farejou os pedaços de Osíris, Ísis encontrou todos os pedaços. Anúbis uniu-os com faixas, surgindo a primeira múmia. Com a ajuda da irmã Néftis, Ísis ressuscitou Osíris, que foi para o mundo subterrâneo, e Set ficou em seu lugar, na Terra.
     Ísis teve um filho de Osíris, Hórus, o deus falcão, que voava sobre o Egito e representava o Sol nascente. Quando Hórus ficou adulto, derrotou Set, mas os deuses decidiram que Hórus seria o deus do Baixo Egito, e Set seria o deus do Alto Egito. Osíris continuaria como o deus do mundo subterrâneo ou o deus dos mortos.
     A lenda de Osíris explica as origens da prática da mumificação e da crença na vida após a morte. Segundo essa crença, a alma deveria retornar ao corpo para que vivesse no mundo dos mortos, um mundo que era um Egito ideal- sem fome nem desconforto, dor ou aborrecimentos.
     Os egípcios acreditavam que a alma do morto seria admitida no reino de Osíris. De tempos em tempos ela voltaria ao corpo, que deveria ser conservado. A sobrevivência da alma estava estreitamente ligada à do corpo. Para isso os egípcios desenvolveram as técnicas de mumificação e criaram túmulos de pedra, feitos para durarem milênios. Os túmulos continham representações e objetos da vida terrena.

O mito da pesagem das almas
    Segundo algumas igrejas cristãs, as ações cometidas em vida por um indivíduo são julgadas por Deus no dia do Juízo Final. Após a morte, cada um é punido ou absolvido num tribunal divino, cuja sentença definirá a nova morada do indivíduo. Se punido, ele vai para o inferno; se absolvido, para o céu. A imagem de um tribunal divino, no entanto, não é exclusiva das igrejas cristãs. Muitas religiões professam ou professavam uma crença semelhante, inclusive a religião egípcia.
     O mito egípcio da pesagem das almas nos ajuda a compreender a concepção egípcia da morte e seus ritos funerários, como a mumificação dos cadáveres e a construção das pirâmides. Inicialmente, a prática da mumificação era exclusiva do faraó e da sua família, mas, a partir do Novo Império, houve uma ampliação desses privilégios, que passaram a ser acessíveis também às famílias de comerciantes e escribas ricos.
     Segundo o mito, para saber se o ka  de um morto  merecia ou não obter a imortalidade, um tribunal presidido por Osíris julgava as boas e más ações cometidas por essa pessoa em vida. Para que o ka pudesse ascender ao mundo dos mortos, era preciso que seu corpo terrestre estivesse preservado. A necessidade de conservar o corpo para a vida além-túmulo explicava a prática de mumificação dos cadáveres no ritual fúnebre egípcio.
     Após esse processo, o ka do morto era conduzido por Anúbis, deus da morte, à sala do julgamento. O coração do morto era pesado numa balança. Do outro lado da balança, como contrapeso, era posta uma pluma de avestruz, símbolo de Maât, a divindade que simbolizava a verdade e ajustiça. Em seguida, o morto fazia a chamada "confissão negativa", recitando todas as faltas que ele não cometeu em vida. Se os dois lados da balança se equilibrassem, o morto poderia ascender ao reino dos mortos e obter a paz. Mas, se seu coração fosse mais pesado que Maât, então o demônio Babai devorava seu ka. O resultado do julgamento era transcrito por Thot, o escriba dos deuses, num papiro para justificar a justiça divina e servir de exemplo aos vivos.
(o ka era o duplo espiritual que nascia junto com cada pessoa. O ba -que corresponde à personalidade em termos modernos- formava a outra parte da alma. Após a morte, ka e ba precisavam se encontrar novamente para que pudessem existir no além-túmulo. Nesse sentido. O corpo precisava ser preservado para manter a aparência de modo que o espírito pudesse reconhecê-lo após a morte)

Livro dos mortos
     O Livro dos mortos é uma coleção de textos egípcios que reúne orações, hinos e fórmulas mágicas, destinados a orientar os mortos em seu caminho para o além-mundo. 
     "Confissão Negativa" do Livro dos mortos:
     Quando o morto entra no salão dos deuses da verdade, ele diz:
     "Reverência a ti, ó grande deus, senhor da verdade. Perante ti compareço para que eu possa experimentar tua misericórdia. Conheço a ti, conheço teu nome. [".] Trouxe a ti apenas a verdade e para ti destruí toda maldade.
§  Não pequei contra os homens. Não fiz mal a meus parentes.
§  Não oprimi escravos. Não pensei no deus com menosprezo.
§  Não lesei o pobre de seus bens. Não fiz com que o escravo fosse maltratado.
§  Não provoquei sofrimento. Não permiti que nenhum homem passasse fome.
§  Não assassinei nenhum homem.
§  Não roubei as oferendas dos templos.
§  Não roubei terras nem ampliei as minhas por este meio.
§  Não represei água quando ela deveria fluir.
§  Não desviei gado de propriedade dos deuses.
§  Sou puro. Sou puro. Sou puro. Sou puro."
(Livro dos mortos [s/d]. In: ELIADE, Mircea. O conhecimento sagrado de todas as eras. São Paulo: Mercuryo, 1995)

As múmias do antigo Egito
     Os antigos egípcios acreditavam na vida após a morte e, por isso, mumificavam os mortos, ou seja, preparavam e embalsamavam o corpo. A mumificação osiriana, descrita a seguir, era privativa dos faraós e das elites egípcias.
     O cérebro era retirado do crânio pelas narinas com um instrumento curvo, após amolecê-lo injetando um tipo de vinho de tâmaras.
     Retiravam-se todos os órgãos internos do corpo, menos o coração, por meio de uma incisão no abdômen. Depois enchia-se o corpo com saquinhos de sal para absorver os líquidos. Decorridos 72 dias, o corpo escurecido e ressecado era enxertado de perfumes e resinas. Finalmente era enfaixado. A múmia estava pronta para ser colocada no sarcófago e seguir para tumba.
     No caso dos faraós do Antigo Império, esses túmulos eram as pirâmides. Durante o Novo Império, começou a ser composta uma coletânea de orações, cânticos e preceitos conhecida como Livro dos Mortos, visando instruir o defunto sobre como proceder no percurso após a morte.

A maldição de Tutankamon
      O faraó Tutankamon ficou famoso por restaurar a supremacia do culto de Amon no antigo Egito, suprimindo a de Akhenaton, que Amenófis IV havia estabelecido. Sua múmia tornou-se também a mais famosa. A tumba foi descoberta em 1922, pelo egiptólogo britânico Howard Carter, após inúmeras tentativas frustradas. Diversos participantes da escavação morreram pouco depois da descoberta, todos em circunstâncias estranhas.
     Logo surgiu a lenda de que a múmia do faraó trazia desgraça e morte para aqueles que a tocassem. Assim surgiu a maldição de Tutankamon. Mais tarde, cientistas levantaram a hipótese de que a tumba do faraó continha vírus milenares que contaminaram o ar. Seja como for, o chefe da expedição arqueológica, Howard Carter, faleceu de causas naturais somente muitos anos depois da descoberta.

A Mulher Egípcia
      “A família egípcia parece apresentar a marca de antigos usos que davam à mulher um lugar muito amplo, talvez mesmo de preponderância. Invocava-se frequentemente, por exemplo, a filiação materna pelo menos em pé de igualdade com a ascendência paterna. Em caso de morte de marido, se não havia um filho adulto, a mulher assumia a chefia da família, inclusive no que dizia respeito às relações com o Estado. De maneira oficial, talvez após um certo tempo, principalmente depois de se tornar mãe, era chamada 'dona da casa', e tal expressão parece ter revestido seu pleno sentido jurídico, embora a casa proviesse do marido”
(AYMARD, André; AUBOYER, Jeannine. História geral das civilizações. 6. ed., tomo I, v. 1. Rio de Janeiro: Difel, 1977)

FONTE:
História, ensino médio. Organizadores: Fausto Henrique Gomes Nogueira, Marcos Alexandre Capellari. - 1. ed. - São Paulo: Edições SM,2010. - (Coleção ser protagonista)
História: das cavernas ao terceiro Milênio /Patrícia Ramos Braick. Myriam Becho Mata. 2. ed. - São Paulo: Moderna, 2010.
História: das sociedades sem Estado às monarquias absolutistas, volume 1 /Ronaldo Vainfas... [et al.] - São Paulo: Saraiva, 2010.

Vídeo Aula        
Aula 04 - O Antigo Egito (1 de 2)



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segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

BRASIL COLÔNIA - SOCIEDADE/Complemento

Denominados oficialmente de "peças", os escravos eram reduzidos à condição de "instrumentos de trabalho", aos quais todos os direitos eram negados.

     "Como definir o escravo? Seguindo David Brion Davis, apontaremos três características principais: 1) sua pessoa é propriedade de outro homem; 2) sua vontade está subordinada à autoridade do seu dono; 3) seu trabalho é obtido mediante coação. Outros autores acrescentariam que tais características só definiriam um escravo nos casos em que transcendessem os limites das relações estritamente familiares: não são chamados escravos os filhos e esposas explorados por pais e maridos tirânicos em sociedades patriarcais. Além do exposto, diversos outros atributos decorrem de ser o escravo uma propriedade. A sua situação não depende da relação que tenha com um senhor em particular, e não está limitada no tempo e no espaço. Em outras palavras, sua condição é hereditária e a propriedade sobre a sua pessoa é transmissível por venda, doação, legado, aluguel, empréstimo, confisco etc. Esta característica transforma o escravo legalmente numa 'coisa'. Ele não tem direitos nem família legal- quando a lei reconhece a validade do casamento religioso, como no Brasil colonial, este é com frequência impedido pelo senhor. Carece, mesmo, do direito ao próprio nome, que o dono pode mudar quando quiser. Não pode legalmente possuir, legar, iniciar processo. E, no entanto, sua incapacidade jurídica não é acompanhada pela incapacidade penal: pelo contrário, ao escravo estão reservados os castigos mais duros e a tortura.
     O mundo dos escravos não era homogêneo. Distinguia-se, em primeiro lugar, entre o cativo recém-chegado da África, o 'boçal: e o 'ladino' - africano já aculturado e entendendo o português. Os africanos eram, como um todo, opostos aos 'crioulos' nascidos no Brasil. Havia ainda distinções reconhecidas entre 'nações' africanas de origem, diferentemente valorizadas. E, dada a mestiçagem, a pele mais ou menos clara também era fator de diferenciação. Os mulatos e os negros crioulos eram preferidos para as tarefas domésticas, artesanais e de supervisão, cabendo aos negros, sobretudo os africanos, a dura labuta dos campos e outras tarefas pesadas."
(CARDOSO, Ciro F. S.. "O trabalho na colônia". In LINHARES, Maria Yedda (org.). História geral do Brasil. Rio de Janeiro, Campus, 1990.)

     Os negros capturados na África eram conduzidos para o Brasil em navios negreiros chamados tumbeiros, em cujos porões eram amontoados, ficando sujeitos a condições tão insalubres que a taxa média de mortalidade era estimada entre 15 e 20%.  Em cada navio eram carregados, em média, entre 200 e 700 negros.
     Calcula-se que, somente no século XVI, cerca de 1 milhão de negros foram enviados como escravos para os diversos empreendimentos coloniais americanos e, até o século XIX, não menos de 25 milhões foram capturados pelos brancos e deslocados para a América. Para o Brasil dirigiram-se perto de 40% dos escravos que vieram para a América.
     Não seria exagero estimar que o número de vítimas envolvendo os escravos transportados e os que morreram na luta contra as incursões brancas ou por seus desdobramentos chegaria a algo próximo do triplo dos africanos deslocados para a América.
     A maioria dos negros africanos trazida ao Brasil pertencia aos seguintes grandes grupos étnicos: bantos, capturados no Congo, Angola e Moçambique; os sudaneses, originários da Nigéria, Daomé e Costa do Marfim; e, em menor número, os maleses, sudaneses convertidos ao islamismo, entre os quais se destacavam os haussás, grupo sempre lembrado por sua constante insubordinação e continuadas revoltas. Os sudaneses dirigiram-se predominantemente para a Bahia e os bantos, para Pernambuco, Minas Gerais e Rio de Janeiro.
      A exploração do negro africano foi sempre acompanhada de constantes atos de rebeldia, desde tentativas de assassinato de feitores e senhores até fugas e, mesmo, suicídios. Os negros que fugiam eram perseguidos pelos capitães-do-mato, e muitos dos que não eram recapturados acabavam organizando comunidades negras livres, chamadas quilombos. Existiram mais de cem quilombos espalhados por toda a colônia, especialmente no Nordeste, principal região econômica do Brasil, onde, até o século XVIII, se concentrava o maior número de escravos.

     "Um quilombo é um esconderijo de escravos fugidos. É preciso distingui-lo dos verdadeiros movimentos insurrecionais organizados contra o poder branco. O quilombo quer paz, somente recorre à violência se atacado, se descoberto pela polícia ou pelo exército que tentam destruí-lo, ou se isto for indispensável à sua sobrevivência. Quilombos e mocambos são constantes na paisagem brasileira desde o século XVI. Reação contra o sistema escravista? Retorno à prática da vida africana ao largo da dominação dos senhores? Protesto contra as condições impostas aos escravos, mais do que contra o próprio sistema, espaço livre para a celebração religiosa? Os quilombos são tudo isso ao mesmo tempo. Eles surgem da própria instabilidade do regime escravista, do trabalho organizado sem qualquer fantasia, da severidade rígida, das injustiças e maltratos. Representam uma solução a todos os problemas de inadaptação do escravo aturdido entre a comunidade branca e o grupo negro. Brotam repentinamente mas com a força do número, numa sociedade de maioria negra e de organização política totalmente incapaz de impedir esse tipo de concentração marginal. Os quilombolas encontram sempre apoios e solidariedade que lhes possibilitam viver fora da sociedade. Contudo, o quilombo jamais é fruto de um plano premeditado; nasce espontaneamente, pode reunir num mesmo refúgio negros e criolos, escravos ou homens livres, vítimas de alguma lei discriminatória. Livres e forros do quilombo são frequentemente desertores, ladrões, assassinos, ou simplesmente homens aos quais foi negado o exercício de certas profissões. Assim uma população extremamente variada. Em geral, ela se esconde nas áreas rurais, em pontos de acesso difícil, longe das cidades, das estradas, das plantações. É o caso do célebre quilombo de Palmares, instalado no século XVII no interior do atual estado de Alagoas, pertencente à época à capitania de Pernambuco. O do famosíssimo mocambo do Pará, estabelecido por volta de 1820 a nordeste de Manaus, na floresta do rio Trombetas. Alguns quilombos, porém, formam-se mesmo às portas das grandes cidades. O baiano do Cabula, por exemplo, somente foi destruído, por uma expedição militar, no começo do século XIX, pois abrigava-se nas grotas e matas das colinas que cercam Salvador a nordeste. "
(MATTOSO, Kátia M. de Queirós. Ser escravo no Brasil. São Paulo, Brasiliense, 1990.)

Resistência do negro à escravidão

     "O Índio não se acostumava com o cativeiro, seu espírito de liberdade não era compatível com a escravidão" . É assim que muitos manuais de História "explicam" o inicio do tráfico negreiro.
     Além de incorreta do ponto de vista factual, a explicação faz entender que, ao contrário do índio, o negro "se acostumava com o cativeiro, porque sua ausência de espírito de liberdade era compatível com a escravidão."
     A origem desta distorção remonta a Varnhagen na historiografia, a Gonçalves Dias na poesia e a José de Alencar no romance; por trás da transformação do Índio no herói libertário e do "negro submisso" em mancha da História, está a própria ideia da. concepção do Estado Nacional burguês, da constituição da "raça brasileira" e, portanto, da descoberta de marcos heroicos reais ou elaborados em nosso passado idílico.
     Por outro lado, existia a preocupação em negar tudo que não fosse "heroico" em nosso passado histórico. Dai se chegar ao limite de negar, não a escravidão como sistema, mas o próprio negro por sua pretensa passividade perante o cativeiro.
     Ora, se o negro não se revoltou é porque ele se ajustou à sua condição de escravo - defende certa linha historiográfica.
     Esta visão não é inconsequente, não é gratuita.
     Aceitando-se a ideia da adequação do negro à escravidão, teríamos absolvido as nossas manchas ocasionais por termos mantido tal sistema social, uma vez que, dentro desse tortuoso raciocínio, teríamos apenas mantido o negro em sua condição "natural". Claro, pois sua adequação ao trabalho era algo "natural" para ele.
     O fato é que o negro não tinha "jeito" ou "espírito" de escravo. Aliás, ninguém tem. O próprio do ser humano é a liberdade e não a escravidão. De todo e qualquer ser humano, qualquer que seja sua cor, idade, religião, sexo, classe social ou convicção política.
     Para provar isto, no que se refere aos escravos, convém apresentar, de forma clara e objetiva, algumas das manifestações de inconformismo dos escravos relativamente à sua situação (... ).
     Registros de fugas de escravos têm sido encontrados em diversas partes do país, a partir do século XVII até às vésperas da Abolição. (... )
     Por que fugiam?
     Para alguns autores, porque não se conformavam com os maus-tratos a eles dispensados. Para outros, porque queriam gozar a liberdade por algum tempo, embora sabendo que acabariam sendo capturados.
     Não cremos que seja possível limitar a fuga dos escravos sempre a essas razões. Se quisessem gozar de uma liberdade fugidia não tratariam de alterar seus nomes, deixar crescer ou raspar barbas e cabelo, buscar uma integração econômica em alguma vila próxima. Ou, como em muitos casos, aquilombando-se.
     Não se pode negar que alguns negros fugidos ficassem rondando a fazenda de origem, a qual às vezes assaltavam para conseguir comida, roupa e até companhia. Há casos de escravos fugidos, recapturados nas próprias senzalas de origem ao visitar suas namoradas ou tentando convencê-las à fuga. Esse fujão ribeirinho acabava sendo pego com mais facilidade. Há também os que nunca mais foram resgatados, refugiando-se em quilombos quase inexpugnáveis.
     O mais famoso deles foi o de Palmares, cantado em prosa e em verso como um momento heroico do negro brasileiro. Cremos que, além disso, as revoltas dos escravos se constituem em atos de dignidade humana.
     Palmares, por exemplo, chegou a se constituir em verdadeiro estado dentro do estado, com relações econômicas estáveis, estrutura socioeconômica estabelecida e contatos comerciais com vilas próximas, em pleno século XVII e com duração total de 67 anos, segundo se crê. E isto no Nordeste brasileiro, área das mais povoadas e desenvolvidas da colônia da época. ( ... )
     Um quilombo era um foco de negros livres numa sociedade que se baseava em relações sociais de caráter escravista. Era, pois, um mau exemplo para outros escravos e uma esperança concreta para os fugidos.
     É importante perceber que a fuga não era, em si, a libertação do negro, uma vez que, via de regra, ele não tinha para onde ir. Sua cor de pele logo o denunciava - o negro era escravo até prova em contrário -, a falta de um trabalho o levava muitas vezes a assaltar para sobreviver, sua captura era apenas uma questão de tempo. O quilombo tornava-se uma alternativa viável para ele, uma forma de conseguir não apenas uma intervenção passageira do brutal cotidiano, mas uma liberdade real.
     A destruição de um quilombo representava, portanto, uma luta contra a agitação subversiva, uma vez que negros livremente congregados constituíam-se num flagrante desafio ao regime vigente - todo ele articulado com o sistema escravista.
     O objetivo do escravo em sua fuga era a liberdade definitiva. Ao sistema cabia evitar que isso ocorresse. E é claro que o escravo não fugia apenas porque e quando era submetido a maus-tratos. Rebelava-se contra sua condição de escravo.
(PINSKY, Jaime. A Escravidão no Brasil. 7ª ed., São Paulo, Contexto, 1988.)

A Mulher no período colonial

     A importação da metrópole de um discurso moralizador sobre o uso dos corpos, instala-se na Terra de Santa Cruz de par com o desejo de cristianização e difusão da fé católica, bem como com a ânsia do sistema mercantil de constituir contingentes populacionais que habitassem as novas terras. A ideia de adestrar a sexualidade dentro do "tálamo conjugal" decorre do interesse de fazer da família o eixo irradiador da moral cristã. Mas eis que falta à mulher ideal para casar, e a Igreja vai dispender séculos de peroração para formar, fora das elites, uma mentalidade de continência e castidade para mulheres para quem certas noções como virgindade, casamento e monogamia eram situações de oportunidade e ocasião, em contrapartida à realidade mais forte: a das dificílimas condições materiais e insegurança econômica na colônia, que ditava regras e costumes próprios. (... )
     Uma abundante produção de "panegíricos" (obras elogiosas) encobria o pretexto de melhor domesticar a mulher dentro do casamento, e para tal fim se fazia necessário eleger um modelo feminino de corpo obediente e recatado, e carnes tristes. (... )
     Mas será certamente a constituição da família, como eixo de difusão da fé católica, assim como o papel da mulher enquanto propagadora do catolicismo, que irá inspirar os pregadores coloniais. Insiste Arceniaga em 1724: ‘... seu principal cuidado deve ser instruir e educar que deve mandar e a mulher somente criada para obedecer’. O Guia de casados, espelho da vida, insistia: ‘É a mulher o centro dos apetites, desejosa de muitas cousas diz Catulo, e se o homem conviver com todos os seus desejos facilmente cairá nos maiores precipícios...‘
     O acordo epistolar entre autores laicos ou religiosos gira sempre em torno das mesmas questões: o casamento como elemento de equilíbrio social, e dentro dele, a ausência de paixões, a obediência e a subordinação da mulher. A Igreja, mais minuciosa, fabrica através dos manuais de confissão um saber sobre a sexualidade feminina no passado, pois não capturar o mais íntimo, o mais íntimo dos gestos, significa não poder controlá-la nem puni-la.
     A hipocrisia deste sistema normativo - que quer eleger um modelo ideal de mulher para implantar, com sucesso, a família e a fé católica na colônia,- explicita-se claramente nos processos que desvendam as formas de contravenção às leis civis e eclesiásticas. Quão distantes da pregação erudita e religiosa não se encontravam as mulatas e negras forras e as brancas empobrecidos, todas mulheres livres a lutar contra as dificuldades do cotidiano. Ao discurso monocórdio sobre seus comportamentos, ou os que deveriam ter, elas respondiam com práticas tidas por desabusadas, mas apenas resultantes de suas condições materiais de vida. Ao "público escândalo" de tantos concubinatos e mancebias somavam-se filhos tidos "por fragilidade da carne humana" , fora de qualquer laço conjugal. A maternidade, além de sentimento, cuidados com filhos e trabalho de parto, era um laço que unia mães e filhas num mesmo oficio: o da prostituição, com a bênção da pobreza e a conivência de pais e maridos.
     Com o fôlego das profundezas, as mulheres irão buscar na pregação religiosa que aparentemente lhes vitima e cerceia, os mecanismos de resistência à exploração e ao sofrimento. Ardilosas, recorrem, quando lhes convêm, aos tribunais eclesiásticos para separarem-se de maridos que as brutalizam ou lhes dissipam os bens. Através de processos por rompimento de esponsais, resgatam noivos, namorados e amantes fujões, que com promessas de casamento haviam "levado de suas virgindades" . Ao modelo exclusivo de amor matrimonial e às demandas tirânicas da Igreja sobre o uso de seus corpos, respondem com adultérios que pontilham aqui e ali, os processos de divórcios. E através dos testamentos revelam as outras faces da devoção-e da maternidade: o horror às penas do inferno, e simultaneamente, à confissão de filhos bastardos.
     Descoladas, portanto, de uma prédica que as fantasiava virtuosas e puras, as mulheres coloniais são mais filhas de Eva do que de Maria; mergulhados nas asperezas do trabalho doméstico, ou nos ofícios de rua e da lavoura, acabam por elaborar, mesmo enquanto rascunhos dos modelos eruditos, regras e éticas próprias”.
(DEL PRIORE, Mary. A Mulher na História do Brasil. São Paulo, Contexto, 1988.)

Fonte:
VICENTINO, Cláudio; DORIGO, G. História do Brasil. São Paulo, Scipione, 1997.
FARIA, Ricardo; MARQUES, Adhemar; BERUTTI, Flávio. História. Belo Horizonte, Ed. Lê, 1993.

Saiba Mais: Filme
Amistad
O filme, baseado em fatos verídicos, inicia com uma turbulenta jornada marítima numa embarcação que é identificada como "La Amistad". Trata-se de um navio negreiro que sofre um enorme revés ao ver os prisioneiros se rebelarem e trucidarem grande parte da tripulação. Desconhecendo os caminhos marítimos pelos quais conseguiriam voltar para casa, os líderes da rebelião mantêm dois prisioneiros que devem levá-los de volta a África. São traídos e aportam na América do Norte.
Aprisionados são levados a julgamento. Os sobreviventes da tripulação pleiteiam a posse da "mercadoria" humanas transportadas no Amistad, são contestados pela rainha da Espanha, que também quer se apropriar do conteúdo da embarcação (com base no fato de que o navio era de bandeira espanhola); além deles, também os oficiais norte-americanos que apreenderam o barco e controlaram o motim desejam a posse dos cativos para vendê-los.
Contra eles se levantam abnegados defensores da liberdade humana, lutando contra a espoliação e a exploração características da escravidão. Capitaneados por Theodore Joadson (Morgan Freeman) e defendidos no tribunal pelo jovem e impetuoso advogado Roger Baldwin (Matthew McConaughey), os escravos liderados por Cinqué (Djimou Hounsou,) desafiam as leis e impingem um recomeço para a história republicana norte-americana. Contam, para isso, com o auxílio inestimável do ex-presidente John Quincy Addams (Anthony Hopkins).
Direção: Steven Spielberg
Ano: 1998
Áudio: Português
Duração: 154 minutos

Quilombo
Em torno de 1650, um grupo de escravos se rebela num engenho de Pernambuco e ruma ao Quilombo dos Palmares, onde uma nação de
ex-escravos fugidos resiste ao cerco colonial. Entre eles, está Ganga Zumba príncipe africano e futuro líder de Palmares, durante muitos anos. Mais tarde, seu herdeiro e afilhado, Zumbi, contestará as ideias conciliatórias de Ganga Zumba, enfrentando o maior exército jamais visto na história colonial brasileira.
Direção: Carlos Diegues
Ano: 1984
Áudio: Português
Duração: 120 minutos




Saiba Mais: Link
Portugal foi responsável pela maior emigração forçada da história da humanidade. De Angola chegou ao Brasil um número 10 vezes superior de escravos comparado à América do Norte.
Em 14 de Novembro se comemora o Dia Nacional da Alfabetização. Neste artigo, Sandra Graham conta como e por que os senhores de escravos temiam que cativos se alfabetizassem. Mas não foi só aqui que isto aconteceu.