“E agora que vocês viram no que a coisa deu, jamais esqueçam como foi que tudo começou” (Bertolt Brecht)

terça-feira, 10 de setembro de 2013

Guerrilheiros na primeira viagem

Treinados em Cuba e com apoio de Brizola, ex-militares prepararam-se para inaugurar a luta armada em Caparaó. Ficaram no sonho.
     Mesmo sob censura, deu no jornal: sete homens presos no alto da serra do Caparaó portando armamentos e manifestos contra o governo. Era abril de 1967, e foi a primeira vez, desde o golpe civil-militar, que um movimento armado ganhou ampla repercussão na imprensa.
     O grupo preso era formado por militares de baixa patente que haviam participado de movimentos reivindicatórios antes de 1964. Inicialmente, o governo procurou minimizar a importância dos acontecimentos, afirmando que a prisão “não afeta a segurança nacional nem revela um caráter perigoso” e que o “Exército considera ridículo que apenas oito façam guerrilha”, como registra o Jornal do Brasil nos dias 4 e 5 de abril daquele ano. Dias depois, começaram a surgir informações contrárias na mesma publicação. Declarações como a de que o Exército “está aos poucos fechando o cerco sobre os possíveis guerrilheiros” e que eles “foram vistos armados de metralhadoras, entre São João da Pedra Menina, na divisa dos estados de Minas Gerais, Espírito Santo e Rio de Janeiro” aparecem na edição do dia 8 no JB.
     O fato de aparecerem notícias de que havia um grupo armado em luta contra o regime, ainda que não se soubesse o número de pessoas envolvidas, representou um sopro de esperança para as diversas correntes que aspiravam por ações efetivas contra a ditatura. Quem eram, afinal, os guerrilheiros dos quais tanto se falava naquele abril de 1967? O que eles queriam? Representavam eles, como estampava a revista O Cruzeiro em 15 de abril de 1967, “uma vasta organização de guerrilhas [que] está minando aquele Estado [Minas Gerais] e, possivelmente, outras regiões do país”?
     As respostas a essas indagações remetem a períodos anteriores ao golpe, no tempo de radicalização das lutas políticas no governo João Goulart (1961-1964). Além de ex-militares, a maior parte dos presos pela participação na guerrilha do Caparaó tinha em comum a passagem pelo movimento liderado por Leonel Brizola, a Cadeia da Legalidade, que garantiu a Goulart assumir a presidência em 1961 – ainda que com os poderes restritos pela implantação do regime parlamentarista. Eram sargentos e marinheiros que haviam ajudado no planejamento de uma possível guerra civil envolvendo os defensores de Goulart e os militares golpistas. Ao mesmo tempo, eles já participavam ativamente da clandestina Associação dos Marinheiros e Fuzileiros Navais do Brasil (AMFN) e do Clube dos Subtenentes e Sargentos do Exército. Reivindicavam melhorias salariais, relações respeitosas por parte dos oficiais, direito ao casamento e ao exercício de cargos legislativos. Aproximaram-se ainda dos setores sindicais em suas reivindicações pela criação de uma Central Geral dos Trabalhadores, bem como de ações antiimperialistas, contrárias às empresas multinacionais e aos Estados Unidos.
     A politização dos subalternos das Forças Armadas ganhou projeção até colocar em risco, na visão dos oficiais, a quebra da hierarquia militar. Quando se consumou o golpe de 1º de abril de 1964, centenas de militares foram presos ou expulsos de suas corporações. Muitos deles, após cumprir pena nos presídios militares, foram buscar apoio de Leonel Brizola, que estava exilado no Uruguai. Brizola procurava organizar um movimento de oposição ao regime ditatorial e acreditava poder repetir a experiência que havia garantido a posse de Goulart em 1961. Em Montevidéu, uniu-se a militantes exilados de diversas tendências de esquerda, como Avelino Capitani, Amadeu Felipe de Luz Ferreira e Jelcy Rodrigues. Nascia, sob a sua liderança, o Movimento Nacionalista Revolucionário (MNR), sigla que comandou a organização da guerrilha do Caparaó.
     Os militantes sofreram forte influência da Revolução Cubana (1959), iniciada por um pequeno núcleo de combatentes liderados por Fidel Castro e Che Guevara. Instalado a princípio na Sierra Maestra, aos poucos o grupo expandiu suas forças até derrubar a ditadura do general Fulgêncio Batista (1901-1973). Esse processo, então batizado de foquismo, passou a ser apregoado pelos revolucionários cubanos como válido para toda a América Latina. Quatro militantes do MNR haviam feito treinamento militar em Cuba. O próprio Brizola aderiu ao carisma dos dirigentes cubanos e à estratégia de luta armada. Dessa aproximação vieram recursos financeiros para a guerrilha que estava sendo organizada no Brasil.
     A primeira tentativa de luta armada se deu no início de 1966, no Rio Grande do Sul, organizada pelo mesmo grupo comandado por Brizola. Foi alugada uma casa em Porto Alegre para guardar armas e materiais, enquanto se arregimentava o contingente de homens necessários. Três militantes fixaram residência no local para manter a fachada de normalidade. Dois outros foram enviados para fazer contatos no Rio de Janeiro com antigos participantes do movimento dos sargentos e marinheiros. Ao mesmo tempo, membros do MNR arregimentavam militares de quartéis da própria região porto-alegrense, entre os que haviam participado do movimento legalista de 1961. Os planos foram descobertos pela polícia depois da prisão de um militante.
     O plano de guerrilha transferiu-se, então, para a serra do Caparaó, por sua localização estratégica entre Minas Gerais, Espírito Santo e Rio de Janeiro. Com apoio de Brizola, militantes do MNR começaram a chegar à região em novembro de 1966, instalando-se como criadores de cabra em um sítio da família de um deles. Quando o contingente de recrutados aumentou, subiram para o pico da serra para não serem vistos pela população. Os primeiros meses foram utilizados para transportar e estocar armas e alimentos. O grupo possuía fuzis, metralhadoras, dinamite e munição, ainda que não fossem equipamentos modernos. 
     Não tinham a pretensão de derrubar a ditadura militar sozinhos.  Baseando-se na teoria do foco guerrilheiro, acreditavam que conseguiriam resistir ao cerco do Exército até a eclosão de outros movimentos de guerrilha e a intensificação da oposição nas cidades. Antes mesmo do início da luta, porém, diversos problemas já haviam derrotado esse projeto de luta armada. A começar pelo clima, com muita chuva, frio e umidade durante quase todo o ano. Havia também o problema do estoque de comida, que foi infectado por ratos e levou alguns militantes a contraírem peste bubônica. Depois de vários meses, alguns membros do grupo questionaram se tinham realmente capacidade política e militar de continuar com a ação. As deserções iniciaram-se em março de 1967.
     A população já vinha relatando à polícia a presença dos guerrilheiros. Os policiais observavam a movimentação à distância e, em 24 de março, prenderam dois militantes que haviam abandonado o grupo. No dia 29, um terceiro foi preso ao tentar descer até a cidade para comprar medicamentos. Ao descobrirem a origem e o objetivo da ação, os policiais mineiros subiram a serra e chegaram ao pico na manhã do dia 1º de abril de 1967. Encontraram os guerrilheiros dormindo. Não houve troca de tiros. Nos dias seguintes, outros membros do grupo foram presos nas cidades vizinhas tentando subir a serra para se juntar aos companheiros. Chegava ao fim, sem se concretizar, a primeira tentativa de luta armada contra a ditadura militar.
     Os eventos do Caparaó coincidiram com o surgimento da guerrilha na Bolívia – liderada por Che Guevara, conforme se descobriria depois – que recebia ampla cobertura da imprensa brasileira. Talvez essa coincidência tenha levado o Exército ao duplo discurso registrado pela imprensa: inicialmente, minimizar a importância da guerrilha no Brasil, evitando a expansão de sua influência para outras áreas do país e, depois, sobrevalorizar os seus efetivos, para justificar a repressão oficial.
     Os participantes da guerrilha do Caparaó não consideraram a experiência uma derrota para o projeto da luta armada, afinal cumpriram um papel importante: denunciaram ao país que havia uma ditadura liderada por militares e que setores da sociedade estavam dispostos a pegar em armas para derrubá-la.

Jean Rodrigues Sales é professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e autor de A luta armada contra a ditadura militar: a esquerda brasileira e a influência da revolução cubana (Perseu Abramo, 2007).

Saiba mais - Bibliografia
COSTA, José Caldas da. Caparaó: a primeira guerrilha contra a ditadura. São Paulo: Boitempo Editorial, 2007.
ROLLEMBERG, Denise. O apoio de cuba à luta armada no Brasil: o treinamento guerrilheiro. Rio de Janeiro: Mauad, 2001.

Saiba mais - Internet
GUIMARÃES, Plínio Ferreira. Caparaó, a lembrança do medo. Dissertação de mestrado em História. Universidade Federal de Juiz de Fora, 2006. www.ufjf.br/ppghistoria/files/2009/12/Plinio-Ferreira-Guimar%C3%A3es.pdf

Saiba mais - Filme
Caparaó
 “Afinal apareceu uma coisa diferente no Brasil coisa que de certo modo quebra a monotonia cotidiana: guerrilheiros em Caparaó” Carlos Drumond de Andrade. O Estado de Minas. Abril/1967.

O filme retrata a primeira tentativa de luta armada organizada contra o regime militar no Brasil pós 1964. No alto da Serra do Caparaó, na divisa do Espírito Santo com Minas Gerais, em agosto de 1966, um grupo  formado na sua maioria por ex-militares expurgados pelo regime, se  instalou em condições precárias, iniciando um rigoroso treinamento militar, na tentativa de preparar o que seria o início de uma grande reação nacional contra o novo regime.
A guerrilha foi patrocinada pelo presidente cubano Fidel Castro e organizada por Leonel Brizola, durante o seu exílio no Uruguai. Para reprimir o movimento o governo militar utilizou cerca de 3.000 homens do Exército, Aeronáutica e Policias Militares de Minas e Espirito Santo, numa das maiores operações militares realizadas no país. Através dos depoimentos de ex-guerrilheiros, escritores, jornalistas, policiais militares, e todos os envolvidos diretamente com a guerrilha; o filme pretende dar novos significados para  a   tentativa de se fazer uma “Sierra Maestra” em terras brasileiras.
Recebeu os seguintes prêmios: Melhor Filme Brasileiro no Festival É Tudo Verdade/2006; Melhor Filme, Melhor Roteiro e Melhor Pesquisa no Recine/2006.
Direção: Flavio Frederico
Ano: 2007
Áudio: Português
Duração: 77 minutos
Hércules 56
Em setembro de 1969, quando o Brasil era governado por uma Junta Militar, duas organizações revolucionárias, a Dissidência Universitária da Guanabara (DI-GB) que adotou o nome de MR-8 (Movimento Revolucionário 8 de Outubro), e a ALN (Ação Libertadora Nacional), aliaram-se para raptar o embaixador dos EUA, Charles Burke Elbrick. Em troca do diplomata foi exigida a divulgação de uma manifesto revolucionário e a libertação de quinze presos políticos, representantes à época de todas as tendências políticas que combatiam a ditadura. Banidos do território nacional e com a nacionalidade cassada, eles foram conduzidos ao México no avião da FAB Hércules 56. Para rememorar o episódio e discutir as causas e consequências da luta armada naquela época, o filme traz à cena os nove remanescentes do grupo de presos e promove o reencontro de cinco membros das organizações responsáveis pelo sequestro.
Os personagens principais do filme são os: Agonalto Pacheco, Flávio Tavares, José Dirceu, José Ibrahin, Maria Augusta Carneiro Ribeiro, Mario Zanconato, Ricardo Vilas, Ricardo Zarattini e Vladimir Palmeira. Os que já faleceram estão presentes através de materiais de arquivo: Luís Travassos, Onofre Pinto, Rolando Frati, João Leonardo Rocha, Ivens Marchetti e Gregório Bezerra.
Direção: Sílvio Da-Rin
Ano: 2007
Áudio: Português
Duração: 77 minutos

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