“E agora que vocês viram no que a coisa deu, jamais esqueçam como foi que tudo começou” (Bertolt Brecht)

terça-feira, 14 de abril de 2015

Medida provisória... até hoje

     Tema constante na imprensa atual, as relações comerciais do Brasil com o mundo devem uma especial reverência ao documento conhecido como a carta de Aber­tura dos Portos. Sua importância está destacada em todos os livros da nossa história. O que poucos sabem, no entanto, é que este do­cumento nasceu provisório, nun­ca foi revogado e representou uma grande surpresa apresentada ao príncipe d. João logo que chegou na Bahia em 1808.
     Assim que desembarcou em Salvador, com a Família Real e a Corte portuguesa, após atraves­sar o Atlântico para fugir da inva­são francesa em Portugal, d. João foi recebido por uma comitiva de comerciantes. Eles pediam a libe­ração do comércio com portos não portugueses porque os ar­mazéns estavam repletos de cai­xas e caixas de açúcar, rolos de ta­baco e muitos produtos encalha­dos desde o fechamento dos por­tos de Lisboa e Porto, com o blo­queio imposto por Napoleão Bonaparte.
     A iniciativa da recepção foi atribuída a José da Silva Lisboa, intelectual baiano bem aceito pela administração portuguesa, para aproveitar o fato de d. João estar desacompanhado de seus conse­lheiros - uma tempestade separou os navios da comitiva real! Sem as resistências do Conselho de Esta­do seria mais fácil a aprovação de uma medida daquele alcance.
     A carta foi assinada no dia 28 de janeiro de 1808, uma semana após a chegada do príncipe regen­te. E a ausência dos conselheiros provocou o aspecto mais curioso do texto, que é o seu teor "interino e provisório": talvez uma alternati­va para d. João voltar atrás em sua decisão, já que o impacto provoca­do pelo documento seria grande. Apesar de seu caráter provisório, a carta jamais foi revogada, nem mesmo após a retirada dos france­ses de Portugal, em 1811.
     As medidas aprovadas regula­vam, basicamente, as entradas e saídas de produtos das capitanias brasileiras. A partir de então quaisquer mercadorias transpor­tadas em navios de países em paz com Portugal - que pagassem uma taxa de 24% sobre o valor dos produtos - eram admitidas nas alfândegas. E súditos portu­gueses ou comerciantes estran­geiros poderiam também expor­tar suas mercadorias para qual­quer porto.
     A abertura dos portos às nações amigas, ou seja, aquelas que não haviam declarado guerra a Portugal, além de evitar conturbações sociais diante da dificuldade de es­coar a produção, também traduziu as tentativas, por parte da Coroa portuguesa, de racionalizar uma política administrativa e econômi­ca que adotasse princípios como os da liberdade de comércio. Para al­guns historiadores, a abertura dos portos não rompeu com o mono­pólio porque não havia controle rí­gido da Coroa sobre o comércio. Mas é evidente a importância das medidas. Em Portugal, a perda da posição de centro no comércio co­lonial europeu gerou forte crise nas finanças. E no Brasil, a abertu­ra dos portos e a vinda da Corte desencadearam o processo de se­paração política entre metrópole e colônia, consumada em 1822, quando a Independência foi ofi­cialmente declarada.
O documento pertence ao acervo da Biblioteca Nacional.

Fonte: Revista Nossa História - Ano I nº 3 - Jan. 2004

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