“E agora que vocês viram no que a coisa deu, jamais esqueçam como foi que tudo começou” (Bertolt Brecht)

sexta-feira, 31 de julho de 2015

Virgens, videntes, guerreiras

No campo de batalha ou curando doentes, as mulheres do Contestado tinham o curioso dom de se comunicar com o além.
     Mesmo vivendo sob acentuado domínio patriarcal, muitas mulheres desempenharam papéis importantes no movimento do Contestado. A começar pelas “virgens”. O monge José Maria se fazia acompanhar de um séquito delas para auxiliá-lo nas rezas, nas pregações e no preparo de chás homeopáticos. As “virgens” eram escolhidas por ele e pelas lideranças dos Redutos – ou Cidades Santas – entre aquelas que manifestavam piedade e pureza de alma. Não precisavam ser virgens no sentido biológico, pois havia entre elas mulheres casadas. Mas as que mais se destacaram eram adolescentes. A proximidade com o monge lhes dava respeitabilidade e poder junto à comunidade. Na ausência do líder religioso, assumiam o papel de videntes.
     Outras mulheres tornaram-se líderes no interior dos Redutos e até mesmo nos campos de batalha. Querubina de França, amiga e seguidora de José Maria, era uma das autoridades na Irmandade de Taquaruçu. Com a morte do monge, coube-lhe a tarefa de escolher as videntes que conversariam com o falecido e trariam suas predições para os devotos. A primeira vidente escolhida por Querubina foi sua neta Teodora, menina de apenas 11 anos de idade. “Teodora dizia tornar-se uma Santa Virgem, contando que falava com José Maria lá no mato, e que recebia as ordens para ir para Taquaruçu, e também para curar gente; um dia chegou uma mulher que estava muito doente; a virgem trouxe uma xícara cheia de sangue e deu para a mulher tomar, dizendo que Seu José Maria é que tinha mandado”, contou Alfredo Lemos, comerciante que visitava as irmandadesEntrevistada em 1961, já idosa, Teodora negou os poderes videntes: “Eu não via nada. Eram os velhos que se juntavam e diziam as ordens”.
     No campo das mulheres guerreiras, destaca-se a história de Maria Rosa. Bem jovem, ela participou de diversos confrontos armados entre os sertanejos e as forças federais, estaduais e de vaqueanos. “Maria Rosa era uma adolescente de seus 15 anos, loura, cabelo crespo, pálida, alegre, de extraordinária vivacidade. Não sabia ler nem escrever, mas falava com desembaraço. Era ela quem nas procissões marchava à frente carregando uma bandeira com a cruz verde. Às vezes permanecia encarcerada num pequeno quarto, só saindo para ‘transmitir as ordens’ que dizia receber de José Maria durante períodos exóticos de vidência. (...) o povo dos redutos considerava Maria Rosa uma santa e julgava que ela ‘tudo sabia’”, descreve o sociólogo Maurício Vinhas de QueirózMaria Rosa exercia a plenitude do comando no Reduto de Caraguatá: rezava, definia as chefias, julgava, condenava, nomeava os líderes religiosos e militares. Comandou os principais combates montada em seu cavalo branco, estandarte na mão esquerda e arma na mão direita. Morreu em 1914, lutando contra as tropas do general Setembrino de Carvalho, às margens do Rio Caçador.

Eloy Tonon é autor de 2012 – Centenário do movimento do Contestado (Kaygangue, 2012).

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